Educação precisa se conectar ao cotidiano dos alunos
É fundamental pensar uma escola comprometida com o desenvolvimento integral dos estudantes
João leu quatro livros, Maria leu três, Renata leu sete, e Pedro apenas um. Criar um gráfico de barras que represente a quantidade de livros lidos por cada criança deveria ser uma tarefa básica para alunos do 4º ano. No entanto essas são habilidades ainda fora do alcance de grande parte dos estudantes brasileiros.
O Brasil apresenta dificuldades históricas no aprendizado de matemática, reveladas, mais uma vez, no Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS 2023), divulgado recentemente. A avaliação mostrou que 16% dos alunos brasileiros do 4º ano e 18% dos alunos do 8º ano tiveram desempenho igual ou menor que o esperado por um estudante que chutasse todos os itens de múltipla escolha. Além disso, 5% dos alunos erraram todas as questões.
O desempenho piora à medida que os anos avançam, pois as aprendizagens básicas dos anos iniciais não estão bem consolidadas. É um ensino ligado à memória de curto prazo. O aluno estuda para a prova, mas logo esquece tudo. Há pouco espaço para pensamento complexo e trabalho de competências complementares ao pensamento matemático. Isso sugere que o ensino da matemática não se conecta com a vida e os desafios dos alunos.
Estudos realizados pelo Instituto Ayrton Senna com cerca de 100 mil estudantes dos ensinos fundamental e médio, numa rede pública no Sudeste do Brasil, mostram que o desenvolvimento de competências socioemocionais impacta o desempenho escolar. Alunos com alto nível de curiosidade para aprender apresentam pontuação média em matemática de 279 pontos, enquanto os com baixo nível dessa competência alcançam apenas 246 pontos — diferença equivalente a aproximadamente três meses de aprendizagem. Em língua portuguesa, os ganhos são equivalentes a até 5,8 meses de aprendizagem.
No contexto atual, marcado por graves defasagens de aprendizagem intensificadas pela pandemia, cada mês de ganho educacional representa avanço significativo.
Esses achados estão alinhados com estudos internacionais que tratam da mesma temática. O Pisa (2024), ao avaliar o pensamento criativo, demonstrou que cerca de 30% do desempenho dos alunos nessa habilidade estava diretamente relacionado a suas competências matemáticas.
Os dados desafiam a visão tradicional de que competências cognitivas e socioemocionais são aspectos distintos do aprendizado. Pelo contrário, ambas estão profundamente interligadas e devem ser desenvolvidas com o mesmo grau de empenho, dedicação e excelência. Não se trata de priorizar uma em detrimento da outra. Estimular simultaneamente essas competências proporciona um aprendizado integral, em que cada dimensão contribui para o crescimento pleno e significativo dos estudantes.
O desenvolvimento de habilidades em matemática e ciências prepara os jovens para profissões necessárias em rápida ascensão, caso das dedicadas a pensar desafios globais como crise climática, energias renováveis e tecnologias sustentáveis. Além disso, segundo o Fórum Econômico Mundial, 75% dos empregos emergentes exigirão competências em áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês). O Brasil precisará de aproximadamente 530 mil profissionais na área de tecnologia em 2025.
Essa reflexão nos leva a uma conclusão: melhores resultados na educação dependem do desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos estudantes. A boa notícia é que no Brasil elas já são um direito e constam na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que propõe dez competências a ser desenvolvidas pelos estudantes ao longo da vida escolar.
Cada vez mais, a ciência e a prática nos mostram que não é possível pensar o ser humano em caixas separadas e que o desenvolvimento das crianças e jovens passa por suas diversas dimensões. Por isso é fundamental revisar as abordagens pedagógicas, pensando uma escola comprometida com o desenvolvimento integral dos alunos, que se conecte mais com a vida cotidiana dos estudantes e que seja capaz de transportar os conhecimentos e habilidades da sala de aula para seu dia a dia.
Beatriz Alquéres, pedagoga, é mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School e gerente executiva de mobilização do Instituto Ayrton Senna
30/12/2024 00h05