21 de dezembro de 2021

Um estímulo não trivial à produtividade

Você já deve ter ouvido em algum filme ou seriado, especialmente aqueles de origem estadunidense de contexto corporativo, a expressão “tire o resto do dia de folga” (ou uma de suas variações), em resposta a um trabalho bem-feito, uma urgência atendida ou uma meta que foi atingida. Porém, muito provavelmente você nunca – ou raramente – ouviu isso na sua vida profissional, ao menos não aqui no Brasil. Mas por quê?

A causa e a consequência estão na cultura, tanto no sentido mais amplo quanto no organizacional. A atitude retratada corresponde a uma forma de premiação à qualidade e/ou celeridade de uma tarefa cumprida, um merecido mérito a um esforço extra. Isso estimula aquele colaborador a continuar fazendo o bom trabalho ou, quiçá, melhorar ainda mais, por meio de uma expressão tangível da meritocracia (governo ou poder do mérito), palavra esta muito falada, mas pouco aplicada. Além disso, também estimula os demais a seguirem o exemplo, pois passam a enxergar que há uma consequência positiva para a dedicação.

Nós humanos não somos robôs e tampouco nosso comportamento é facilmente moldável simplesmente pela vontade alheia ou porque alguém mandou (ao menos não de forma contínua e eficiente). Mas se ele não pode ser determinado, pode sim ser estimulado – e também desestimulado – por meio das respostas que o ambiente (e aqui discutimos o organizacional) dá para cada uma de nossas atitudes. Essas respostas precisam ser claras, persistentes e coerentes, para que sejam plenamente eficazes. Estamos falando, em essência, da psicologia comportamental (ou behaviorismo), amplamente adotada dentro da teoria administrativa.

No entanto, o mais comum por estas terras tupiniquins é uma postura um pouco diferente. Não é nada estranho que um colaborador dedicado, concentrado, criativo e que traz resultados acima da média, receba como prêmio não uma folga (quem dirá um aumento), mas sim... mais trabalho! E, não é raro que aquele que é improdutivo, mediano e que faz o mínimo possível enquanto espera o relógio de ponto bater, receba menor volume de trabalho. Afinal, ele não dá conta. É uma cruel dinâmica que não é explícita, clara, nem formalizada, mas perceptível por um olhar atento e crítico.

Consciente ou inconscientemente, o bom colaborador acabará mais cedo ou mais tarde percebendo que para ele há pouco ou nenhum benefício real por sua dedicação extra, na sensação de que “nada está bom para a empresa”, “nada é o suficiente”, enquanto a compulsão organizacional por mais entregas é insaciável, não importando o esforço. Por vezes esse status quo é mantido apenas por meio da deletéria e volátil força do medo do desemprego, mas o preço pode ser alto tanto para o colaborador quanto para a empresa, numa verdadeira bomba-relógio. E até mesmo uma promoção por vezes acaba se traduzindo apenas em mais trabalho e mais responsabilidades, sem ao menos um incremento proporcional na renda. Enquanto isso o mediano está lá, cumprindo tabela e programando o final de semana que muitas vezes o seu colega superdedicado sequer irá desfrutar.

É, em essência, a meritocracia ao contrário e a maior vítima será ironicamente a produtividade. Uma armadilha que faz a empresa olhar apenas o resultado imediato: já que se terminou antes do previsto a tarefa “a”, “aproveitemos” para fazer a “b”, “c”, “d”..., num desespero sem fim por espremer cada segundo contratado. E isso ocorre em detrimento da visão de longo prazo, que prezaria pelo desempenho sustentável, pelo comprometimento mútuo e pela construção de uma cultura organizacional saudável e ao mesmo tempo efetiva. Isso sim forma a base para uma verdadeira vantagem competitiva, pois impacta positivamente nos resultados, é duradoura e de difícil imitação. Essa fórmula está presente em algumas daquelas empresas que tem um resultado extraordinário e que nem sempre se consegue explicar a partir de uma visão externa ou contábil.

É verdadeira a famosa máxima que diz “se você deseja um trabalho bem-feito, escolha uma pessoa ocupada”, assim como suas variações, no entanto não se pode esquecer o termo “pessoa”, que não é robô bem como precisa e merece descanso, respeito e reconhecimento. Só assim se obtém, verdadeiramente e de forma duradoura, um ambiente produtivo e meritocrático, que certamente se traduzirá em ótimos e persistentes resultados para a organização. Na correta medida, uma tarde de folga para um colaborador, quando merecida, pode ser o início de uma revolução no desempenho de uma empresa, ainda que isso seja não seja trivial e, talvez por isso, pouco aplicado, ao menos por aqui. E não há inocência ou romantismo nisso, pois é óbvio que toda empresa, tanto quanto os empregos que dela dependem, sobrevive do lucro, mas o caminho mais óbvio nem sempre é o melhor e um grande segredo está não na quantidade de horas trabalhadas, mas sim na efetividade com que essas são utilizadas.

Jeanfrank T. D. Sartori, doutorando, mestre em Gestão da Informação pela UFPR, especialista em Business Intelligence pela Universidade Positivo e bacharel em Administração pela UFPR.